quinta-feira, 28 de março de 2013

O Jogo e seu lugar na aprendizagem de matemática

Nas aulas de Matemática, os jogos ajudam a criar contextos de aprendizagem significativos. Mas é preciso acertar na escolha e compreender como os indivíduos se relacionam com o jogo. A especialista Ana Flávia Alonço Castanho discute o assunto. E você aprende mais sobre jogos

1. Contribuição do jogos para apredizagem
 


Trabalhar com jogos nas aulas de Matemática é uma das situações didáticas que contribuem para a criação de contextos significativos de aprendizagem para os alunos. Esta descoberta se deu no conjunto de uma série de transformações que o ensino experimentou nas últimas décadas, desde que professores e instituições passaram a pautar sua prática por uma concepção de aprendizagem segundo a qual aprender significa elaborar uma representação pessoal do conteúdo que é objeto de ensino - quando os alunos constroem conhecimentos em um processo ativo de estabelecimento de relações e atribuição de significados.
 Ensinar passou a ser compreendido como criar condições adequadas a esse processo e à realização de intervenções com vistas a possibilitar avanços aos alunos. Com isso, novos critérios passaram a ser úteis para a tarefa do professor, como: organizar o ensino em torno de situações-problema que façam sentido para os estudantes e tornem necessária a construção ou reelaboração de conhecimentos para sua resolução; estabelecer relações com os fazeres que caracterizam o trabalho de uma determinada área de conhecimento; compreender as práticas culturais de uso de um determinado saber e as formas como os indivíduos, em geral, se relacionam com elas.
É nesse contexto que o jogo passa a ser uma presença mais constante nas aulas de Matemática. Mas a experiência tem indicado que a presença do jogo, por si só, não leva à aprendizagem dos alunos. Por isso, vamos discutir nos capítulos seguintes que condições podem fazer do jogo um aliado do professor na organização de boas situações de aprendizagem. O ponto de partida é compreender o jogo como uma prática humana e social de relação com o conhecimento.

2. As instâncias do jogo e sua relação com o conhecimento


 Macedo (2003) discute em seu texto "Os jogos e sua importância na escola" como o jogo está, segundo a tteoria piagetiana, intimamente ligado ao processo de desenvolvimento humano (acima, veja um vídeo em que o professor fala sobre o uso dos jogos na aprendizagem)

Nessa perspectiva, o desenvolvimento de cada indivíduo é marcado por três grandes instâncias de jogo: os jogos de exercício, em que a assimilação de novos conhecimentos, sobre si e sobre o mundo que o cerca dá-se na forma do prazer pela repetição dos primeiros hábitos; o jogo simbólico, em que a criança se apropria de conhecimentos sobre o mundo e conhece mais sobre si a partir da atribuição de diferentes significados aos objetos e as suas ações - em fantasias, em faz-de-contas ou na possibilidade de viver diferentes histórias; e os jogos de regras, em que o "como fazer" do jogo é sempre o mesmo, regulamentando uma interação entre pares - nesses jogos, a criança se depara com o desafio de se apropriar das regras e encontrar estratégias para vencer dentro do universo de possibilidades criado pelo jogo.
As três instâncias de jogo são parte de cada um de nós, parte de nossa história pessoal e da nossa relação com o mundo e, por isso, em maior ou menor grau, continuam presentes ao longo de nossas vidas:
"Compreender melhor, fazer melhores antecipações, ser mais rápido, cometer menos erros ou errar por último, coordenar situações, ter condutas estratégicas etc. são chaves para o sucesso. Para ganhar é preciso ser habilidoso, estar atento, concentrado, ter boa memória, saber abstrair, relacionar as jogadas todo o tempo" (Macedo. Os jogos e sua importância na escola, 2003).

3. A relação entre os homens e o jogo
 


A relação do homem com o jogo, enquanto prática cultural, remonta ao início de sua história. A espécie humana, em todas as épocas e em todas as culturas, construiu muitas e variadas formas de jogar, permitindo, tanto aos mais novos se apropriarem de saberes culturais importantes - muitas vezes essenciais para sua inserção naquela determinada sociedade -, quanto aos já adultos usufruírem de um espaço de lazer e descanso.
Alguns desses jogos envolvem conhecimentos que são alvo da preocupação da escola hoje, como a contagem, presente nos mais variados jogos de percurso, o cálculo mental, necessário para vencer no "sjoelback" (ou bilhar holandês) ou no "Flecha a Caixa", a localização espacial presente nos jogos de batalha naval. Mas, embora o próprio processo de desenvolvimento humano crie condições para a compreensão dos jogos de regras, as características do jogo, enquanto objeto cultural que remete aos momentos de diversão e lazer, fazem com que a relação de cada um com os jogos de circulação social seja regida por preferências pessoais e contextos de convivência.
Assim, embora existam jogos que ponham em evidência conhecimentos valorizados pela escola, não é esperado, socialmente, que todos joguem bem todos os jogos nem que todos superem suas dificuldades iniciais e se apropriem de estratégias para jogar bem esses jogos.
Dessa forma, há uma primeira dificuldade na relação da escola com os jogos, pois a experiência social deixa claro que, na ausência de uma intervenção sistemática, pautada em preocupações e compromissos educativos, se perpetua a divisão entre bons e maus jogadores. E a escola nunca pode naturalizar a divisão entre bons e maus alunos, sob pena de não ser mais escola.


4. O jogo como via de acesso ao conhecimento


A despeito dessa dificuldade em relacionar as características de um objeto cultural de lazer e entretenimento com as preocupações escolares, muitos estudiosos defendem a presença do jogo na escola, argumentando que para a criança em idade escolar, o jogo, nas suas diferentes formas, é uma excelente via de acesso a novos conhecimentos, porque além de tornar significativo o encontro com novos saberes, também cria um contexto em que se apoderar desses conhecimentos tem uma razão mais próxima do ponto de vista infantil - ir bem no jogo - , além da razão que a escola sempre lhe apresenta, que é preparar-se para a vida futura.
Segundo Ortiz (2005), um estudioso espanhol desse tema, as próprias características do jogo o constituem como um excelente veículo de aprendizagem e comunicação, especialmente para as crianças, que têm a oportunidade de envolver-se com a própria aprendizagem, participando ativamente de todo o processo educativo. Esse autor ressalta que o acesso ao jogo ao longo do processo educativo é considerado, hoje, um direito inalienável, segundo a Declaração Universal dos Direitos das Crianças:
"A criança desfrutará plenamente do jogo e das diversões, que deverão estar orientados para finalidades perseguidas pela educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o cumprimento desse direito" (Ortiz, J. P. Aprendizagem através do jogo).
Assim, pode-se considerar que dar ao jogo um justo lugar dentro da escola, relacionando-o com conteúdos importantes de aprendizado, é uma forma de respeitar o modo como as crianças aprendem, dando a todos os alunos a chance de se relacionar com o conhecimento de uma forma mais prazerosa, significativa e produtiva.
Mas, o que significa dar ao jogo "um justo lugar dentro da escola"? Uma primeira resposta é a que já foi apontada acima: criar condições para que todos os alunos aprendam, para que o jogo seja uma instância que favoreça o avanço de seus conhecimentos. Outra resposta, imprescindível, também, é que o jogo se relacione com os objetivos curriculares e as necessidades de aprendizagem dos alunos. Ou seja, dar ao jogo seu justo lugar dentro da escola implica perguntar se o jogo em questão cria condições para as aprendizagens específicas que se quer promover.

5. O jogo como recurso para realização de  objetivos curriculares


Para que o trabalho com jogos matemáticos na escola possa se constituir como base para uma boa relação com o conhecimento, é preciso ter em mente que:
"O jogo é, por natureza, uma atividade autotélica, ou seja, que não apresenta qualquer finalidade ou objetivo fora ou para além de si mesmo. Nesse sentido, é puramente lúdico, pois as crianças precisam ter a oportunidade de jogar pelo simples prazer de jogar, ou seja, como um momento de diversão e não de estudo. Entretanto, enquanto as crianças se divertem, jogando, o professor deve trabalhar observando como jogam. O jogo não deve ser escolhido ao acaso, mas fazer parte de um projeto de ensino do professor, que possui uma intencionalidade com essa atividade" (Ana Ruth Starepravo. Jogando com a Matemática: números e operações).
A ideia de que "o jogo não deve ser escolhido ao acaso" é a marca fundamental do trabalho escolar. É imprescindível - se se quer fazer do jogo um contexto de aprendizagem - perguntar-se sobre o que o jogo permite ensinar, sobre qual conteúdo matemático é posto em destaque no jogo, sobre como isso se relaciona com as necessidades de aprendizagem dos alunos naquele momento, sobre que outras situações de ensino podem-se articular às situações de jogo, sobre como sistematizar e institucionalizar o conhecimento posto em ação e, com isso, relacioná-lo às aprendizagens previstas no currículo.
A intencionalidade do professor, tão bem apresentada nas palavras de Ana Ruth Starepravo, é a marca que distingue as situações de jogo vividas no meio social e as situações escolares de aprendizagem a partir do jogo. Para fazer valer essa intencionalidade, é fundamental que o professor parta das estratégias de cálculo utilizadas inicialmente pelas crianças em suas jogadas, de seus procedimentos, de suas dúvidas e acertos e planeje atividades e intervenções desafiadoras a partir disso, a fim de que seus alunos possam avançar nos conhecimentos em questão.
Esse espaço para intervenção do professor que o trabalho com jogos matemáticos possibilita é precioso, segundo Cecília Parra. Esta autora aponta que um trabalho intencional e reflexivo, por parte dos professores, com jogos na aula de Matemática permite "maiores oportunidades de observação, a possibilidade de variar as propostas de acordo com os níveis de trabalho dos alunos e inclusive de trabalhar mais intensamente com aqueles que mais o necessitam". Ou seja, é a partir da intervenção do professor que os jogos matemáticos se transformam em contextos de aprendizagem para os alunos.
Isso ocorre nas ocasiões em que o professor organiza sequências de atividades a partir do jogo, de forma que os alunos possam: tomar consciência do que sabem; reconhecer a utilidade (economia, segurança) de utilizar determinados recursos (resultados memorizados, procedimentos etc.); ter uma representação do que se deve conseguir e do que precisa saber; "medir" seu progresso; escolher, entre diferentes recursos, os mais pertinentes; serem capazes de fundamentar suas opções, suas decisões; estabelecerem relações entre os conhecimentos postos em destaque no jogo e os conhecimentos escolares.
Assim, o que caracteriza o jogo como contexto de aprendizagem escolar é que na escola, diferentemente da vida social, o jogo não se encerra em si mesmo, não se justifica apenas pelo seu aspecto lúdico e, sim, é parte de uma sequência intencional de ensino, que contextualiza a resolução de problemas e o desenvolvimento de estratégias que se relacionam com o desenvolvimento de aprendizagens importantes de uma determinada etapa; que respeita os diferentes ritmos de aprendizagem das crianças, mas se compromete com o avanço de todos e a conquista de um conjunto compartilhado de saberes. E isso só é possível com a intervenção atenta e cuidadosa de um professor que sabe aonde quer chegar.


Quer saber mais?
Ana Ruth Starepravo. Jogando com a Matemática: números e operações. Curitiba: Ed. Aymará, 2009.
Cecília Parra. "Cálculo Mental na Escola Primária". In: Parra, C. & Saiz, I. Didática da Matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artmed, 1996.
Macedo, L. Os jogos e sua importância na escola. In: Macedo, L., Petty, A. L. S. e Passos, N.C., Quatro cores, senha e dominó. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
Ortiz, J. P. In: Múrcia, J.A.M. (e col.). Aprendizagem através do jogo. Porto Alegre: Editora Artmed, 2005.

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